No restaurante tocando ao fundo uma dessas sinfonias numéricas
de um desses alemães,
tomo delicadamente o meu drink azul
como o Danúbio.
A mulher da mesa vizinha arruma o cabelo compulsivamente
Nervosa
O amante não chega
O marido pode ficar sabendo
Imagina a cara das filhas quando o pai contar que a mãe é uma piranha. Coitadas.
Entra um homem a passos largos no exato momento que o piano grita em lá maior
Tomo o último gole do danúbio
ergo o braço suavemente
e faço o gesto de mais um para o garçom
enquanto ele providencia outro desses para mim
levanto, dou um tiro para o alto,
acerta o lustre
- pensei que já não tinha mais essa pontaria -
e outro certeiro na moça da mesa vizinha
Isso é para ela aprender a nunca mais trair o marido
Viro para trás, um tiro no rapaz que entrou por último
Isso é para ele aprender a não atrapalhar a música alheia
Sento novamente
mando tocar outra musica
e o meu danúbio chega lindo,
resplandecente, num copo que
parece querer limitar a sua
infinitude, dou o último tiro:
no copo
Isso é para ele aprender a não querer restringir os poderes dos outros
O drink vai escorrendo devagar pela mesa, pelo chão, buscando seu caminho, fazendo seu curso, até a foz, isso quando se mistura ao sangue preso ao tapete: é o encontro dos mares. O danúbio vai de azul a rubro. Eu levanto, deixo uns trocados na mesa. Vou embora. Vejo bem onde piso, nada de sangue nas minhas solas. Não posso me esquecer de deixar um dinheiro para o pianista e de comprar mais balas.
Lá fora o Danúbio é mais uma vez azul para os apaixonados